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Mostrando postagens de abril, 2017

Crônica - Uma Confissão

Eu pratiquei bullying. Com um punhado a mais de esmero, poderia ter elaborado outra forma de iniciar esta crônica. Entretanto, esmero demais podem esconder justificativas nas entrelinhas. E este não será um texto de entrelinhas. Na adolescência dos anos 90, encontrava-me na puberdade, com todos seus hormônios, dúvidas, certezas e prepotências naturais para a época. Cursava o hoje intitulado ensino médio e na minha sala, dentre alguns judas prontos para serem diariamente malhados, havia um no qual os alunos dedicavam particular atenção. Todos o chamavam de Dumbo. Na época considerávamos Dumbo uma figura estranha. Seu corpo era de aspecto quebradiço, os ombros levemente arqueados e, equilibrada sobre o pescoço branco com veias aparentes, pendia uma cabeça destoante do resto da criatura. Era uma cabeça grande. Boca de dentes espaçados e orelhas de abano para chancelar o apelido. Se Dumbo não fosse o escolhido, o tipo físico fomentaria a criatividade do restante da turma.

Crônica - Dignificar o Trabalho

O que te move? O que te faz levantar todos os dias? O que te levou a escolher a sua profissão? Estão todos sumariamente autorizados a me denominar de saudosista, mas começo a sentir saudade da época na qual se proferia com um orgulho altivo: “o trabalho dignifica o homem”. Minha visão temporal pode estar equivocada, coisa a ocorrer com uma frequência incômoda, porém, parece-me que em tempos outros as pessoas olhavam o trabalho com uma satisfação genuína, como quem ostentava um troféu. Partia-se para o batente sabendo estar ali uma missão, dura um par de vezes, mas a ser cumprida com prazer. O labor era pesado e grande parte dos homens e mulheres eram tolhidos do seu direito de escolher sua sina até o final da vida. Iniciava-se um trabalho na roça sabendo ser ele seu companheiro perpétuo. Inexistia a escolha por aquele caminho. Este era herdado pela genética e deveria ser continuado com igual rigor e cuidado. Ingressava-se em uma empresa para realizar determinada função

Crônica - Fardo Democrático

Já algumas vezes peguei-me em uma discussão sobre a seguinte hipótese eleitoral: em uma eleição para presidente, estando no segundo turno Lula e Bolsonaro, em quem você votaria? “Eita pergunta pestilenta”, gritava dentro da minha cabeça. Depois de fazer cara de sonso e babar um pouco, resolvia ser o branco uma resposta bem razoável. Entre o populismo predatório e o predador cada vez mais popular, acomodava-me seguro em cima do muro. Dias atrás o assunto retornou e uma amiga repetiu a pergunta. Desta vez, contudo, estando a lava jato em sua 132ª fase a resposta escorregou por minha boca quase despercebida: Bolsonaro. Oras, o miserável é preconceituoso, arrogante e sem o menor projeto de governo, mas é honesto. Ou parece ser. Ou, ao menos, não figura em nenhuma lista de empreiteira.  Depois de deixar as barbas de molho por 45 minutos, matutei melhor sobre a questão e seu erro. Não que houvesse algum equívoco na minha resposta, afinal, escolhi um caminho. Entretanto, há u

Crônica - Isso importa?

Como sempre faço, outro dia, após deixar os pequenos na escola, retornei para casa e fui tomar meu café assistindo televisão. É um maldito costume que adoro manter. Como todo bom costume, faz mal e, mesmo assim, faço com um prazer transgressor delicioso. Os leds da TV fizeram o seu trabalho no meio de uma matéria policial. Não entendi bulhufas do antecedente às imagens, mas o visto bastou. Dois homens deitados no chão com as mãos na cabeça. Um deles levanta o rosto e logo o tomba sem cerimônia, derrubado por dois tiros de fuzil, dados à queima-roupa. O outro nem essa reação teve, morreu sem lhe ser dada a chance de rogar pela vida. A reportagem disse (e eu não duvidei): quem matou era policial, quem morreu era bandido. Olhei para minha comida e permiti ao dia seguir seu curso natural. Seria ilógico dizer que o alimento perdeu o sabor; até onde vão meus conhecimentos alimentícios, granola parou de dar a mínima para a sociedade faz tempo e, de forma alguma, deixaria de ofertar