Crônica - Fardo Democrático

Já algumas vezes peguei-me em uma discussão sobre a seguinte hipótese eleitoral: em uma eleição para presidente, estando no segundo turno Lula e Bolsonaro, em quem você votaria?

“Eita pergunta pestilenta”, gritava dentro da minha cabeça. Depois de fazer cara de sonso e babar um pouco, resolvia ser o branco uma resposta bem razoável. Entre o populismo predatório e o predador cada vez mais popular, acomodava-me seguro em cima do muro.

Dias atrás o assunto retornou e uma amiga repetiu a pergunta. Desta vez, contudo, estando a lava jato em sua 132ª fase a resposta escorregou por minha boca quase despercebida: Bolsonaro.

Oras, o miserável é preconceituoso, arrogante e sem o menor projeto de governo, mas é honesto. Ou parece ser. Ou, ao menos, não figura em nenhuma lista de empreiteira. 

Depois de deixar as barbas de molho por 45 minutos, matutei melhor sobre a questão e seu erro. Não que houvesse algum equívoco na minha resposta, afinal, escolhi um caminho. Entretanto, há uma falha estrutural na hipótese.

Cabe a mim escolher o governante do país. Este é um “fardo democrático”. Contudo, sou obrigado a optar por aquele que enxerga só o próprio umbigo ou o outro que vê o umbigo dos outros e aponta defeitos em vários?

O fardo pareceu-me pesado demais.

O que fez minha espinha gelar é a probabilidade real disso ocorrer.

Não consegui definir com precisão, mas em algum ponto da história nós erramos muito para atingir este estágio.

O povo brasileiro sempre escolheu seus líderes pelo carisma, jamais pelas ideologias. Lula alçou ao cargo de presidente não porque representava o ideal da esquerda, mas porque tinha (e ainda tem) carisma transbordando em cada fiapo branco da barba.

A população, em si, é bem prática. Todos pretendem o melhor para o país. Entretanto, busca suas respostas muito mais em personas com pinta de comandantes do que em teorias rebuscadas, as quais enchem a boca para mostrar ser a sua razão melhor que a das demais.

Resta, então, a disputa daquele com o maior rodo capaz de puxar os olhares vidrados dos populares sedentos por um salvador. Pouco importando a teoria política aplicada.

Todo líder precisa de carisma. Isto é um fato e problema algum há nele. Porém, não pode ser o único, sob pena de a discussão política permanecer rasa como hoje. Do modo como está, nós persistiremos a pisar na lama deixada por esses pajés carismáticos.

Para mim, a vida é um caminhar trôpego, cambaleante. Assim, caso você esteja andando altivo e sem sobressaltos, aconselho arrumar logo uma pedra na qual possa tropeçar.

Nós aprendemos com essas pedras. Caídos, percebemos nossa pequenez e podemos nos tornar humildes. Para levantar precisamos de força e atenção, evitando novas quedas.

Nossa estrada atual, porém, contém tantas pedras que o andar cessou e passamos a engatinhar sobre elas, sendo obrigados a descansar, de tempos em tempos, para curar as feridas nos joelhos.

Fica, portanto, a dúvida: se mal conseguimos andar, aonde vamos parar?

Deixar de locomover vai muito além da imediata estagnação. Parados, perdemos a força para levantar. Depois de um tempo o conformismo se instala. Entendemos aquela realidade como destino e, como bom maktub que é, deve ser apenas aceita. Por fim, a desesperança atrofiada aprisiona e nos impõe uma vida apenas com aquilo ao alcance de nossas mãos, tornando-nos gradativamente míopes com relação ao futuro. 

Não é esse o futuro sonhado por mim. Rejeito ser obrigado a carregar o fardo democrático de Lula ou Bolsonaro. Quero me levantar e chutar as pedras à minha frente para longe.

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