CRÔNICA - FELICIDADE

O que é felicidade?
Assim como a maioria da população mundial, durante toda a vida, busquei compreender o que seria a felicidade. E aproveitando produtivamente os momentos de ócio de que dispunha, elaborei diversos conceitos sobre sua delimitação, como a encontraria e de que forma ela se manifestaria.
Provavelmente tudo o que fiz está errado, é claro.
Hoje, contudo, não gostaria de falar sobre o conceito de felicidade, mas dar um exemplo da sua presença. Quem sabe isso auxilie na sua conceituação.
Meu filho Matheus tem recentes 04 anos completos e, agora, começou a mostrar interesse por filmes (animações, evidentemente). E isso é um avanço, pois hoje ele tem paciência e foco para assistir a um programa que dure mais de 20 minutos.
Por isso, há algumas semanas, resolvemos leva-lo ao cinema Passava Operação Big Hero. Fiquei em casa para cuidar de nossa filha menor e minha esposa o acompanhou. Ao retornar, ele era a representação da empolgação: corria, pulava, arfava de cansaço e tentava contar a história do filme. Fiquei fascinado por ele tentar explicar o que tinha visto, pois ainda tem uma certa dificuldade de se expressar verbalmente.
Ansioso como sempre fui, segurei-me por uns dois dias até não aguentar mais e pedir à minha esposa para ir com ele ao cinema. Queria ter essa experiência também.
Fomos. Só ele e eu. E foi maravilhoso. Comemos pipoca, fui apresentado a um dos personagens mais cativantes dos últimos anos, o Baymax (para o Matheus e para mim, o robô fofinho) e assistimos a tudo com um óculos 3D que me incomodou o filme inteiro. Um incômodo delicioso, pois temperado com o sorriso aberto do Matheus do início ao fim da película.
Essa é a parte em que falo sobre a manifestação da felicidade? Negativo. O filme foi fantástico sim e, com certeza, senti-me muito feliz ali. Mas o exemplo que desejo dar é outro, porém, dependia dessa introdução.
Com Matheus exalando empolgação pelo filme, o que mais queria era comprar tudo o possível a me remeter outra vez àquela experiência. Mas a animação era nova e não encontrei bonecos ou revistas sobre ela.
Um tanto desanimado com a situação acabei por lembrar que na Apple TV conectada à televisão da sala há uma seção só para trailers de filmes. "Bom, melhor que nada. Vou pelo menos passar o trailer do robô fofinho para o Matheus" - pensei.
Dei o play no trailer sem avisá-lo o que veríamos. Quando Baymax apareceu uma luz acendeu naqueles olhos miúdos. Sua boca entreabriu e, por algumas vezes, ele tentou falar algo: "Pa... pa... pa... p... papai, é o robô fofinho".
"É sim, filho!" Passei a mão em sua cabeça e assistimos de pé o trailer. Ele não se mexeu. Apenas olhou admirado aquele resumo da história. "Você gostou, filho?"
"De novo papai! De novo!" Não havia modo melhor dele dizer "sim".
Desta vez, contudo, ele não permaneceu só assistindo. Tentou imitar os movimentos dos personagens e repetir algumas falas, o que era quase impossível... o trailer era em inglês.
Eram apenas 2 minutos e 30 segundos. E logo ele pedia para eu colocar novamente. Eu assistia de relance Hiro chorar sua perda, Baymax tentando fazer seu trabalho, uma multicoloria Fransokyo um vilão mudo tentando... bem, tentando fazer a única coisa que eles sabem fazer nessas histórias infantis... e, em meio a tudo isso, Matheus corria. Corria muito. E sempre com o sorriso aberto.
"Vem papai!" Deixei-me puxar pelo braço. Mais 2 minutos e meio.
Corremos, pulamos e, ao final, eu me divertia ao ver o corpo do Matheus envergar-se para cumprimentar-me como os orientais.
Vimos o trailer umas sei-lá-quantas-vezes e eu começava a ficar entediado. Ainda seguia meu filhote por todos os cantos da sala, mas questionava de vez em quando se ele não gostaria de brincar com outras coisas. "Mais uma vez papai!" Ele respondia.
Parei, sem forças, deixei meu corpo cair no sofá e passei a limitar meus movimentos ao apertar o botão que reiniciava aquela pequena jogada de marketing.
Meus movimentos eram automáticos e Matheus passou a ser um borrão voando por todos os cantos da sala. Balancei a cabeça para fugir do transe e voltei a admirar meu filho.
Ele estava só a água. Era puro suor. Na maior parte do tempo do trailer, eu fitava suas costas ensopadas. Em um pequeno instante, lá pela metade do vídeo, ele se virava para reiniciar a correria e eu via seu rosto. A testa riscada pelos cabelos molhados, as bochechas vermelhas e o sorriso. "Como ele ainda podia rir daquilo?"
Mas toda vez ele ria.
Passei a me concentrar no sorriso. Sempre achei o seu sorriso bonito. O contorno que fazia em seu rosto era único.
Comecei a estranhar um detalhe, porém. Não na fisionomia. Esta era sempre a mesma. Contudo, algo interno sofria pequenas mudanças. Era como se cada sorriso fosse diferente, ou melhor, motivado por diferentes situações.
Mas como? Ele se virava para mim sempre na mesma hora do mesmo trailer. Ainda assim, o sorriso não era o mesmo.
"Vai Baymax!" Ele gritava. E sorria. Como se fosse a primeira vez.
E era.
De alguma forma ele tinha a capacidade de aproveitar cada instante de felicidade contida naquele trailer de maneira única. Não só isso, de maneira inédita.
Quando me dei conta da situação, estava rindo também olhando para ele. Olhando a felicidade dele... desculpe... admirando a capacidade dele de ser feliz por 2 minutos e meio, de formas diferentes, por causa do mesmo fato.
Chorei.
Chorei por ter aprendido com meu filho ser possível desfrutar de uma felicidade inédita, mesmo nas mais banais cenas do cotidiano.
"Vem papai."
Fui. E corremos, pulamos, suamos, chutamos, socamos, fomos felizes repetidas vezes... todas distintas... inéditas.
Naqueles 2 minutos e 30 segundos eu fui feliz. Neste recipiente isolado do tempo guardei o que de melhor a vida me proporcionou até hoje. Todas as vezes que esses mesmos instantes se repetiram a felicidade me preencheu, porém, de maneira única.
Qual é o conceito de felicidade? Acho que nunca saberei.
O que é felicidade? É ter guardado na minha alma em incontáveis recipientes de 2 minutos e meio, com os mesmos rostos, gestos, cabelos, olhos, sorrisos, todos idênticos e, ainda assim, insubstituíveis em sua singularidade.

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