Crônica - Willow

Vídeo locadoras estão margeando a extinção. A pressa prática dessa nossa vida impôs aos seus proprietários o autoreconhecimento de sua obsolescência e o baixar de quase todas as portas.

Mas alguns ainda resistem e, aqui em Colatina, perto da minha casa, a Vídeo Logos mantém-se aberta. Teimosa, apesar dos pesares.

Volta e meia levo meu filhote para escolher um filme lá. Precisar não precisa. Com o controle na mão ele pode acessar todo o Netflix ou alugar qualquer título para assistir na hora, mas ele adora ir na locadora. Então vamos.

Certo dia fomos com a trupe completa à Vídeo Logos, foi a primeira vez da minha pequena. Ela estava ao meu lado quando entrou, mas ficou logo para trás.

Pendi meus olhos para sua direção e percebi a cabeça inquieta fitando todos os cantos do lugar.

“Noooooossa, papai! Quanto filme!” E dizia o nome de todos os conhecidos... desenhos, claro.

Os demais se transformaram em homens correndo, vilões malvados, princesas, etc. Todos paramos para aproveitar um pouco daquela felicidade inocente. Até a atendente parecia não compreender de que buraco brotava tanta alegria. Afinal, eram só filmes, né?

Não pude deixar de voltar um punhado de anos no tempo. Experimentei novamente a sensação de, aos 9 anos, segurar meu primeiro VHS... Willow na terra da magia! A luz da TV do quarto dos meus pais, naquele dia, abriu uma porta gigante e descobri no cinema um prazer a me acompanhar até hoje.

Mas eram outros tempos. Uma época desprovida de internet, redes sociais, celulares ou mesmo telefones fixos (eram bem raros). As informações chegavam tímidas e, com mil pedidos de licença, alcançavam poucas pessoas... as persistentes, perseguidoras perseverantes.

Diferente de hoje, onde as informações nos espancam diariamente, sedentas por atenção, naquela época, elas eram tesouros a serem buscados, lapidados e interpretados.

Uma locadora tornou-se, para mim, a segunda casa. AG Vídeo. Ali passava parte do dia, lia todas as sinopses, pensava as cenas vistas e, principalmente, esperava o correio chegar com uma pequena caixa de papelão, contendo as novidades da semana.

Sempre torcendo por uma boa surpresa, prostrava-me ali todo o sábado, lá pelas beiradas das 09h, quando o carteiro chegava. Seu Hélio, o dono do lugar, sabia da minha ansiedade e saciava a sede curiosa abrindo logo a caixa.

Minha moleca estava com os mesmos olhos do guri de décadas atrás. Diferente dela, porém, eu pude reproduzir esse olhar toda a semana durante anos.

Lógico, muitos dirão, que a ausência de espera tem suas vantagens. Afinal, quem gosta de aguardar algo por meses? Se o desejo acende uma fagulha na mente, quanto mais rápido o for atendido, melhor.

Contudo, o esperar fazia parte do processo de amadurecimento do desejo. Aguardar sedimenta o querer no seu cérebro e, quando atendido, estende a sensação, tornando a experiência única.

Esperei meses para Parque dos Dinossauros chegar na locadora e, quando aconteceu, precisei permanecer ali feito estátua por 4 horas para garantir o aluguel naquela quarta-feira. Afinal todos queriam ver os dinossauros ganhando vida novamente e ninguém estava aceitando fazer reservas. Até hoje lembro-me de segurar o filme na mão, com sua capa em forma de fóssil.

Meus filhos não terão essas sensações. Para eles outras estão guardadas. Por vezes, entretanto, receio de que tudo agora ocorra muito rápido. Mas, se o desejo é atendido na hora, haverá tempo de maturá-lo na mente, tornando-o perpétuo dentro da finitude da nossa existência?

Oxalá o mundo os presenteiem com novas experiências. Abençoados serão se tiverem os próprios Willow’s e Parques dos Dinossauros.

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