Crônica - E se?

Qual o sentido de uma tragédia?

Quem nunca teve essa pergunta martelando a cabeça após ver uma desgraça estampada na capa de um jornal?

Encontrar uma razão maior para o fim da vida traz o conforto de imaginar que todo o sofrimento foi necessário para transformar a realidade daqueles ainda fincados neste plano.

Mais uma vez isso ocorreu comigo na última semana.

A destruição. Veículos espalhados, em pedaços, na rodovia e no matagal ao lado. O fogo. Pessoas gritando por socorro. Gritando pela própria vida. Gritando pela vida dos entes queridos e dos desconhecidos consumidos nas chamas. As histórias de sofrimento do dia seguinte...

Pra quê?

Em casos assim, somos quase empurrados pelo cérebro a imaginar como seria a realidade, na hipótese disso não ter ocorrido. E se?

E se o ônibus atrasasse 5 segundos? E se adiantasse 5 segundos? E se o caminhão parasse em um posto por mais uns instantes? E se o motorista do ônibus perdesse apenas mais um sinal verde? E se o pneu do caminhão estivesse perfeito? E se a rocha fosse 11 toneladas mais leve? E se o sistema de freios fosse original? E se a fiscalização da polícia estivesse funcionando? E se a rodovia estivesse duplicada?

São muitas variantes, tantos “ses”... e pensar que somente um deles seria suficiente para manter todos vivos.

O “se” tem o poder de criar realidades paralelas, nas quais vislumbtamos o futuro sem as nossas falhas. Ele nos permite a correção; possibilita evitar a repetição dos erros.

Visto dessa maneira, o “se” é uma oportunidade de desenvolver um futuro alternativo, diferente do que resultou na tragédia. Alguns, lógico, são fantoches do destino, fazem parte do seu jeito peculiar de distribuir as peças no tabuleiro. Outros, porém, estão sob nosso controle. Estamos livres para manipularmos da forma como bem entendermos.

De nada adianta, porém, olharmos para esses futuros alternativos e pensarmos neles apenas como possibilidades que o destino não deixou acontecer. Estaremos sendo míopes e deixando de perceber o nosso controle sobre a maior parte dessas possíveis realidades.

Ficaremos presos aos nossos próprios “ses”. Rezando para não entrarmos em rota de colisão com o destino. Rogando para não nos tornarmos mais uma lição apresentada a cegos, reticentes a encontrar respostas, por mais evidentes que possam parecer.

Pior, que relegam ao destino a manipulação das peças cujo controle pertence a nós.

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