Crônica - Paixões

Lógico que eu não o traí pra ficar com você! Me sinto mal por pensar isso de mim.

As coisas entre a gente deixaram de fazer sentido. Eu fui obrigada a deixá-lo. Ele estava sugando todo o meu tempo, minhas energias. Eu só demorei para perceber isso, porque pensava estar apaixonada, mas no final tinha se transformado quase em uma doença.

Não, não... ele não era assim no começo. Acho que nunca são, né? Quando eu o tive da primeira vez foi... é difícil te explicar. Mas ele era só meu. A atenção dele para comigo, me tratando como uma princesa. Era muito diferente de tudo o que havia experimentado. 

Sim, como poderia não ficar apaixonada? Tudo em volta de mim perdeu o sentido. Esse é o normal da paixão. Você para de pensar. Eu só o queria nas minhas mãos. Passávamos o dia inteiro juntos e ele me dava tudo o que precisava. A minha impressão era de plena suficiência. Com ele todo o resto parecia irrelevante... até pior... parecia ultrapassado.

A paixão me cegou sim, mas naquele momento eu sequer percebi estar apaixonada. Pensava ter o controle da situação. Depois de um tempo, meus amigos começaram a avisar que eu havia ultrapassado os limites. Inveja era a única palavra a aparecer na minha cabeça quando ouvia algo contra ele ou meu comportamento.

Pra falar a verdade, perdi completamente a noção do tempo. Tudo aquilo parecia amor e minha família e amigos estavam tentando destruir a magia e felicidade do momento.

Pode ser, não vou negar. Mas eu não enxergava a fixação por ele como exagerada, pois entendia ser correspondida. Ele estava sempre comigo. Diferente daqueles que nem ligam pra você e te atendem só quando querem. Por isso era difícil perceber qualquer problema na situação. O inferno era mesmo os outros.

Ah... foi quando perdi o emprego. Meu chefe foi até legal comigo, me pegou com ele no trabalho duas vezes, conversamos muito sem ele por perto, mas... não dava... ele me chamava toda hora e eu cedi. Na terceira o Pedro teve que me dispensar. Disse que era uma lição e esperava o meu perdão. Senti mesmo a chateação dele por me demitir. Hoje vejo que ele estava certo.

Daí pra frente foi só piorando. 

Lógico que tem como! Eu estava apaixonada, ou melhor, estava doente. Ao invés da demissão abrir meus olhos, inicialmente eu grudei ainda mais nele. Me apoiei em quem pensava ser meu único amparo. Estava dependente por completo. Ele era minha janela para o mundo e o que eu sabia era só aquilo passado por ele.

Talvez tenha sido isso mesmo, eu nunca saberei. De repente ele parou, ou melhor, foi diminuindo o ritmo. Era como estivesse se desinteressando por mim. Eu o chamava, queria e precisava de carinho e ele não respondia. E quando me atendia era lerdo, sem ânimo.

Enlouqueci. Começamos a brigar e ele piorou demais. Ficou quase um dia travado, sem me escutar, fingindo indiferença. Sofri demais, como sofrem todos os dependentes.

Mas é como dizem, quando se chega ao fundo do poço só tem um lugar para ir. Foi quando papai me apresentou a você.

Já te disse que não foi traição! Ele quem fez tudo acabar. Se não tivesse mudado tanto o comportamento, estaríamos unidos até hoje. Quando você chegou, nós ainda estávamos juntos fisicamente, mas só. O importante já tinha terminado.

Eu sei que você será diferente. Voc...

Para com isso! Já aprendi minha lição e conheço muito bem meus sentimentos. Se toda essa desgraça teve algo de positivo foi me ensinar como lidar com eles. Amadureci e tenho plena ciência do que sinto. Contigo é diferente. Não me entenda mal, mas sei que hoje sinto amor por você... a paixão ficou pra trás.

Porque o amor é racional. Sei perfeitamente onde estou pisando. Diferente de antes... estava apaixonada, não fazia a menor ideia do que pensar, ou melhor, eu nem pensava. Agia somente por impulso.

Pra ser muito sincera, tenho um pouco de medo sim. Depois de tudo, fica uma ponta de receio de você fazer o mesmo. Mas agora penso pelo lado positivo, sei da possibilidade disso ocorrer, então estarei pronta e tenho absoluta certeza que saberei discernir se você começar a seguir pelo mesmo caminho.

Não, não, não pensa assim. Lógico que você será diferente. Já te disse isso. O que nos une é amor. Nem pensa naquela doença. Hoje estou curada e tudo o que quero é aproveitar o futuro maravilhoso ao seu lado.

Eu te amo Galaxy S8.

Sei que jamais me abandonará!

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