Crônica - Guerreiros

Sentei-me na poltrona de frente para a TV e aguardei o jogo começar. O hino tocava enquanto a câmera caminhava pelas faces dos jogadores... alguns balbuciavam a letra, outros não. Há dias temia o jogo contra a Holanda, com certeza, nosso mais forte adversário nesse campeonato mundial. Era um time forte, aplicado e com alguns lampejos de criatividade assustadora.

Após trilar o apito do árbitro, uns poucos instantes de futebol proporcionaram uma reflexão e duas conclusões rápidas: a laranja mecânica estava com as engrenagens em descompasso e o Brasil estava nervoso além da conta.

O destempero do time brasileiro assustou-me um pouco. A imagem de um ensandecido Robinho gritando “fuck off” para um holandês (em uma supercâmera lenta, onde foi possível perceber o ódio estampado em cada músculo), não contribuiu em nada para tranquilizar minha mente.

Mas o nervosismo pareceu um problema irrelevante, pois o Brasil jogava muito mais que a Holanda. Passes curtos, rápidos, precisos... a laranja mecânica parecia perdida. A bola não parava em seus pés e os jogadores brasileiros só eram parados com falta.

Evidentemente Kaká seria bem marcado. Ele era o cérebro do time, estampava em suas costas o sagrado 10. Contudo, ele não podia ser o único a ser marcado; éramos 11 jogando um belo futebol. Nessa toada, de quem menos se esperava, veio o instante de magia; Felipe Melo, o Dunga do Dunga, serve uma Jabulani preciosa e precisa para Robinho; desde o meio-campo ela atravessou incólume todos os abasbacados jogadores de laranja e posou por milésimos nos pés do atacante. Gol!

Os holandeses mudaram a postura após o gol, mas não conseguiam alterar a história do primeiro tempo. Com Kaká, Juan e Maicon o Brasil poderia ter feito mais. Não fez. Fez falta.

Como torcedor, evidentemente, não percebi isso no momento. Meus olhos grudados na televisão transportavam para minha mente imagens que faziam esquecer as dificuldades daquela partida. Estava fácil demais; pelo visto, o nervosismo dos jogadores não seria um problema muito grave; talvez a Holanda não fosse tão forte assim...

Começa o segundo tempo.

E o time que foi para os vestiários vencendo não voltou para o campo. De alguma forma que somente os obscuros mistérios do futebol podem explicar, o Brasil não existiu como um time na etapa final. Por outro lado, os holandeses encheram-se de confiança e tranquilidade e encararam aquele espaço de tempo restante como uma batalha. E lutaram lindamente.

Não que os brasileiros tenham deixado de lutar. Pelo contrário, lutaram muito, mas com armas diferentes.

Arma dos holandeses na peleja era a bola. Usaram-na com maestria; tudo o que foi feito pelo Brasil no primeiro tempo os holandeses empregaram com correção no segundo. Não que tenham jogado um futebol encantador, não acho isso. Mas não erravam. Os malditos não erravam!

Era tempo dos brasileiros passarem por momentos de desnorteio, de desorientação. Por não encontrar a bola, contentavam-se com as pernas dos adversários. E o nervosismo aumentava.

Em uma bola despretensiosamente lançada para a área por Sneijder, Julio César e Felipe Melo saltaram juntos para atingir a Jabulani; morreram abraçados no gramado e a bola nos braços carinhosos da rede ao fundo.

Jogo empatado e Dunga era o reflexo do campo. Ensandecido em sua jaula tracejada de branco no gramado, parecia um gorila: agachava-se, como se pronto para o ataque; gritava; batia no peito; surrava seu abrigo, digo, banco de reservas.

No palco, os jogadores continuavam a guerrear, mas não com a bola, como deveria ser. Guerreavam com as travas das chuteiras, com gritos, com descontrole. Numa patética tentativa de assustar os holandeses. Como se eles tivessem medo de cara feia. Não tinham.

Novo cruzamento e dessa vez Sneijder completou para o gol. No alto de seu um metro e setenta, venceu a defesa do Brasil. Para cabecear saltou pouco mais de dez centímetros. Ao cabecear, fez o time inteiro do Brasil despencar de uma altura superior a um quilômetro.

A queda fez os jogadores ficarem ainda mais desorientados. Antes que conseguissem achar o equilíbrio, a loucura abateu-se sobre suas mentes. A perda momentânea do juízo produziu marcas eternas. Quando as travas da chuteira de Felipe Melo encontraram a coxa de Robben toda uma nação teve o vislumbre do fim da Copa, muito antes de o árbitro apitar o final da partida. Ao mostrar o pequeno retângulo vermelho para Felipe, o juiz encarnou um toureiro às avessas, acalmou todo o time. Tornaram-se gado manso, domesticado, inocente e indefeso.

O resto foi apenas a espera pelo fim. Os minutos passavam despreocupados. A Holanda jogava como em um treino. E o Brasil de guerreiros não tinha mais força para lutar.

Terminada a partida levantei-me e fui procurar um rumo... na verdade queria procurar um culpado. Assustei-me ao encontrar muitos.

Quando o sangue esfriou e consegui colocar as ideias nos devidos lugares, percebi ter faltado a essa seleção um líder. Um exército que se preze não pode vencer batalhas apenas com guerreiros; é imprescindível para a vitória um comandante centrado e tranquilo, que consiga indicar aos subalternos os caminhos para invadir o front inimigo e subjugar sua defesa.

Dunga nunca foi um comandante; desde seus tempos de jogador, era um guerreiro. Ficou famoso por isso. Conheceu inferno e céu sendo desta forma. Como técnico deveria saber que sua postura tinha que mudar. Não mudou. Todos nós perdemos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Análise – Livro – Caim – José Saramago

Conto - Cansado de Lutar

Crônica - Liberdade