Análise – Livro – A Zona Morta – Stephen King

Autor: Stephen King
Editora: Ponto de Leitura
610 páginas. R$ 19,90.

A marca “Stephen King” é conhecida no mundo inteiro. Mesmo aqueles que nunca leram um livro do Sr. King já assistiram um filme baseado em alguma de suas obras. São dezenas. Algumas de gosto duvidoso, outras pequenas obras de arte. A Zona Morta inclui-se tranquilamente nesta segunda categoria.

Neste livro, Stephen King narra a história de um jovem professor de uma pequena cidade estadunidense, John Smith, que desde criança tem um dom perturbador; quando toca em uma pessoa é capaz de descobrir tudo sobre o seu passado, além de enxergar flashes de seu futuro.

Este dom surge em um momento dramático de sua infância, quando sofre um acidente no gelo e bate fortemente sua cabeça.

Porém, somente na idade adulta toda a intensidade de sua aptidão seria revelada. Coincidentemente após outro acidente. Entretanto, este acidente quase lhe ceifou a vida, deixou marcas perpétuas em seu corpo, além de tê-lo feito perder quase 05 anos de sua vida, período em que passou vegetando, em estado de coma.

Terminada a leitura deste livro, peguei-me pensando se realmente A King tinha a intenção de escrever um livro de terror. Se este foi realmente seu objetivo principal, acho que falhou miseravelmente. Não se preocupe, leitor, não digo isso como se apontasse um ponto negativo no texto.

Apenas aponto para os desavisados que este não é um livro de terror… é um drama, e dos melhores que já li.

É impossível não se comover com a história sofrida do protagonista. A todo momento o leitor se perguntará se sua habilidade paranormal é um dom ou maldição divina.

Stephen trabalha o texto como de costume, sem pressa. Apresentando cada detalhe e cada personagem de uma forma pausada e tranquila, para que possamos degustar as personalidades de todos os que compõem o texto. Isso sempre foi um de seus pontos fortes, a preocupação com o psicológico e com a história de todos os componentes da narrativa.

Diferentemente de muitos autores (como Dan Brown) que resumem personalidades complexas em uma palavra, reduzindo a quase nada o ser humano, King trata cada um de seus personagens com um carinho paternal. Mesmo os vilões (que são medonhos, diga-se de passagem) são objeto de análise criteriosa do autor; desta maneira, suas atitudes, mesmo as mais ensandecidas, são explicadas. E ainda quando as ações são inexplicáveis, são devidamente fundamentadas.

Ou seja, os vilões são loucos, mas sabem o que estão fazendo e por que estão fazendo suas atrocidades.

Isto humaniza os personagens, deixando próximos a nós. Com o passar da leitura, nos afeiçoamos a cada um deles. Desta maneira, quando sofrem algum mal ou morrem nós também sentimos; acompanhamos sua dor com apreensão e compaixão, torcemos para sua vitória e choramos cada derrota.

Dos livros que li de Stephen King, talvez este seja o que o autor estadunidense tenha trabalhado melhor o seu protagonista. Johnny é uma pessoa simpática, extrovertida e que consegue cativar qualquer um de uma maneira rápida e natural. É impossível não sentir pena, portanto, de todo o mal que lhe aflige durante a narrativa. Seu fardo é inacreditavelmente pesado e ele, ainda assim, consegue carregá-lo. Muitos teriam desistido ou enlouquecido, mas a força de nosso protagonista o mantém de pé, caminhando.

Diversos são os problemas enfrentados por Smith desde o fatídico acidente automobilístico que, se não o matou, privou-lhe de mais de 04 anos de vida, de alguns movimentos de sua perna, de um aspecto saudável (as cicatrizes em seu corpo não permitem esquecer a tragédia) e o amor de sua vida. Após acordar de seu estado vegetativo ele percebe que o mundo mudou, ou melhor, o mundo seguiu o seu curso natural, muito embora ele tenha ficado preso nas ferragens de um carro como que paralisado por 05 anos.

Este livro foi escrito por King em 1979 e é possível perceber o frescor de sua narrativa. A obra tem todos os pontos positivos do texto de King sem os seus pontos negativos.

É costumeiro ouvir críticas ao trabalho de Stephen, pois durante a narrativa o autor tende a se perder em histórias paralelas sem sentido ou propósito aparente para a trama principal. Vagando em seus pensamentos desordenados o autor também faz o leitor viajar, mas no sentido ruim da palavra, tornando a leitura, por vezes, maçante.

Não aqui. Nesta obra, King usa cada subtrama, cada desvio do texto para incrementar a narrativa e conferir profundidade a todos os personagens envolvidos. É impressionante que um livro tão extenso consiga manter o interesse do leitor em um patamar tão alto sem cessar. A narrativa é detalhista sem ser chata, descrevendo cada instante da vida de Johnny de uma forma crível… e terrível.

Também estão presentes no livro temas correntes na obra de King: fanatismo religioso (personificado na mãe do protagonista), histeria popular (pela divulgação nacional do poder paranormal de Johnny) e a dualidade dom x maldição (o protagonista passa por todo o livro rejeitando seu poder, haja vista toda a desgraça que lhe afligiu após sua manifestação).

Todos são temas com os quais o leitor pode facilmente se identificar. Aliás, é impossível não se identificar com o protagonista; a forma com que King apresenta cada dilema é muito factível. Portanto, muito embora estejamos diante de uma história fantástica, conseguimos nos imaginar agindo da mesma maneira que Johnny se nos deparássemos com cada um de seus desafios.

Evidentemente, este livro não seria de Stephen King se não tivesse um vilão marcante. Bem, aqui temos dois. O primeiro é um assassino em série que atormenta uma pequena cidade interiorana. Seu objetivo principal na obra é mostrar para Johnny que seu poder também pode ter uma utilidade benéfica para a sociedade. Detalhe que merece destaque é a investigação de Johnny sobre o assassinato de uma criança. Quando o protagonista toca o exato local onde ela foi morta, toda a cena é apresentada novamente a ele; e a descrição de King para esta parte é qualquer coisa de inacreditável, é impossível não ficar com a espinha gelada.

O segundo, e principal, vilão é Greg Stillson. Um ser odioso, dono de um raro dom de cativar a todos os que estão ao seu redor e que tenta galgar novos degraus, agora investindo em uma carreira política, o que pode significar o fim de toda a humanidade.

O personagem de Greg é um mistério. Sua popularidade é tão forte quanto sua crueldade. Johnny sabe disso… aliás talvez seja o único que saiba exatamente o tamanho do poder e da loucura de Greg. Assim, ele é a única pessoa capaz de detê-lo.

Enfim, esta é uma obra-prima de Stephen King. Personagens marcantes, narrativa poderosa e um final marcante. É, definitivamente, um livro obrigatório para quem gosta de livros baseados não somente na ação e no sangue, mas que sejam focados principalmente nas pessoas e nos efeitos que fatos trágicos podem ocasionar em suas vidas.

Alguns pequenos detalhes: este livro já foi transformado em filme pelo diretor David Cronenberg em 1983; a película é difícil de ser encontrada, mas vale a pena. Assisti ao filme anos atrás e, com certeza, é uma das melhores adaptações de uma obra de Stephen King. Além disso, baseada nele foi produzida uma série, iniciada em 2002 e cancelada em 2006.

Por fim, os comentários deste livro foram feitos baseados em uma nova edição publicada pela Editora Objetiva, agora sob o selo “Ponto de Leitura”. É um livro de bolso, com ótima encadernação. O “Ponto de Leitura” foi lançado pela Objetiva em novembro do ano passado e ainda conta com poucos títulos, mas toda a iniciativa para lançar livros de bolso, com preços mais acessíveis e, principalmente, com ótima qualidade gráfica devem ser motivos de aplausos.

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