Análise – Livro – A Estrada – Comarc MacCarthy

A Estrada
Autor: Cormac MacCarthy
Editora: Alfaguara
Pág. 234 – R$ 36,90

O que nos mantém caminhando? O que nos impulsiona para frente, mesmo inexistindo perspectiva de um futuro melhor?

Neste perturbador livro de Cormac MacCarthy os dois protagonistas se deparam com este dilema todo o tempo, enquanto caminham por uma estrada sem fim, buscando algo que nem mesmo eles sabem o que é.

MacCarthy é autor do livro que originou o filme dos irmãos Coen, “onde os fracos não tem vez”, e nos apresenta aqui um futuro desolador. Por motivos não explicados no livro, o mundo que nós conhecemos não existe mais. Tudo foi destruído e encontra-se encoberto por uma espessa manta cinza. Há anos o Sol existe apenas como uma sombra pálida em um céu eternamente nublado.

Neste cenário desolado, um pai e um filho caminham por uma estrada rumo ao sul. Tentam encontrar o mar e, talvez, um mundo novo, com algum resquício de vida. No caminho deles apenas a morte se faz presente à todo momento. Tudo o que é visto pela estrada ou morreu ou está moribundo, clamando pela morte.

O tom da narrativa, como se percebe, é tenso e triste por todo o livro. Quase não há espaço para esperança; assim, mesmo fatos positivos e alegres (como encontrar alguma comida enlatada pelo percurso) é encarado com frieza que quase pode ser confundido com desdém, afinal, mesmo o alimento que os manterá vivos tem uma função efêmera de somente retardar o final certo e inevitável.

O texto de MacCarthy é maravilhoso ao retratar o mundo extinto e as pessoas agonizantes que o habitam. Tratando insistentemente a história de maneira crua e sem perdão, o autor opta por utilizar descrições curtas dos ambientes, empregando muitos pontos simples durante os parágrafos. Desta maneira, a narrativa aparenta ser “quebrada” ou às vezes “inacabada”. Apenas o essencial é transmitido ao leitor, mas isto não quer dizer que a ambientação não seja clara; com essa técnica, autor impõe ao leitor o dever de terminar a construção do cenário, ampliando a sensação de desolação de tudo o que cerca os personagens.

Entretanto, sem dúvida alguma, o melhor do texto de MacCarthy é reservado à dupla de protagonistas. Pai e filho, ambos sem nome, são descritos fisicamente pelo autor com alguns poucos detalhes que retratam as dificuldades pelas quais eles passaram no decorrer da caminhada. Todo o resto é deixado para o leitor.

As falas de ambos, acompanhando o ritmo cru da narrativa, são de uma sinceridade desconcertante. Não são poucas as vezes que você se surpreenderá com os diálogos desesperançosos de ambos. Um perfeito exemplo disto encontra-se na página 49, quando o menino vira-se para o pai e diz:

“Eu queria estar com a mamãe.

Ele não respondeu. Sentou-se ao lado do vulto pequenino embrulhado nas colchas e nos cobertores. Depois de algum tempo ele disse: Você quer dizer que queria estar morto.

É.

Você não deve dizer isso.

Mas eu queria.

Não diga isso. É uma coisa ruim de se dizer.

Não dá para evitar.

Eu sei. Mas tem que evitar.

Como é que eu faço isso?

Não sei.”

Como se percebe dessa pequena pérola acima, o autor não interrompe o diálogo com explicações sobre a reação dos personagens à cada fala, talvez porque, afundados na tristeza e ausência de perspectiva de um futuro melhor, os protagonistas não reajam às falas uns dos outros. Desta maneira, as conversas fluem de uma maneira natural e rápida, sem divagações sobre o que foi dito.

Um se apóia no outro para continuar seguindo em frente. São muitos os obstáculos que o fazem pensar em parar ou desistir totalmente de acreditar na bondade humana: mortos por todos os lados, sobreviventes saqueando e matando com o único objetivo de manter-se vivos, além de homens (os quais aparentemente perderam a noção de humanidade) que praticam o canibalismo (inclusive infantil) para não sucumbir ao descanso eterno. Na tentativa de encontrar um lugar habitável, almejam também não perder o que lhes resta de humanidade em meio à loucura que os rodeia.

Ao final do livro, contudo, percebe-se que o amor os manteve caminhando quando tudo os impulsionava para a morte. A vida era sofrida demais, tudo o que havia sobre a Terra estava morto e enterrado sobre uma manta cinza. O amor era a única razão para prosseguir, não permitindo que sucumbissem ao desespero, mesmo quando tudo os impelia nesta direção. Era somente este sentimento que os distinguia dos demais moribundos encontrados numa estrada sem fim e sem futuro.

P.S.: Este livro foi recentemente transformado em filme, o qual é estrelado por Viggo Mortensen e entrará em cartaz nos cinemas brasileiros em 12/02/2010.

Comentários

  1. Ótima análise. O filme e o livro realmente são perturbadores. Pouco os personagens falam, nao são ditos nomes, não têm reais planos, não riem. Nada há nada há ser dito pq não há esperança verdadeira nenhuma (como haver esperança em um mundo morto?). Sempre vi o apocalipse como terra devastada, mas sem plantas e animais? Como algo pode ser pior? Como vc bem disse, a única coisa que ilumina aquele mundo é o amor entre o pai e o filho. Amor sem grande gestos, mas expresso em cada pequeno detalhe e em cada parte do livro. Como bem definido no próprio livro, "cada um era o mundo todo do outro". abs. Sandro

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