Análise - Livro - Gomorra - Roberto Saviano

Autor: Roberto Saviano
Editora: Bertrand Brasil
349 páginas
R$ 39,00

O povo brasileiro, em seu geral, é formado por extremos. Não só na massacrante diferença entre as classes sociais, mas também com relação ao nosso modo de ver a vida. Talvez seja o sangue latino correndo rápido pelas veias quentes dos brasileiros, mas o fato é que a vida passa por nossos olhos sem meios-termos. Amamos ou odiamos algo; temperar as coisas, vivenciando-as com moderação não faz nosso tipo.

Talvez por isso sejamos diferentes, talvez isso nos torne únicos.

Toda essa introdução diz respeito também nossa autocrítica sobre o próprio país. Nas conversas do dia a dia notamos pessoas que elogiam o Brasil como se este fosse o paraíso na Terra (afinal Deus é brasileiro e o papa é carioca); outros tantos criticam nosso chão como se somente na Europa as coisas realmente funcionassem.

Bem, lendo esse livro-reportagem de Roberto Saviano, pude perceber que as coisas realmente funcionam na Itália... ao menos a máfia funciona.

Nesse impressionante relato, Saviano, um repórter italiano, infiltrou-se na Camorra, uma das espécies da máfia italiana, para narrar como o crime organizado corrompe por completo toda a região de Nápoles, no sul daquele país.

Confie em mim quando digo, você não vai conseguir ler vários momentos deste livro sem se espantar com a força da máfia. Às vezes se torna difícil crer que um país como a Itália, do qual dependemos boa parte da nossa herança genética, encontra-se tão imerso no crime e na corrupção.

Mas Saviano é preciso ao apontar alguns dos motivos pelos quais a Camorra conseguiu se apoderar de uma grande parte do sul da Itália. Narra o autor que é a miséria da população a principal porta de entrada da máfia; a região sul do país, que tem um histórico grande de pobreza, mostrou-se um celeiro perfeito para a evolução do crime.

Em muitos momentos do livro percebemos que a Camorra transformou-se no único futuro possível para uma grande parcela dos jovens, os quais não obtém no mercado de trabalho a oportunidade para tentar sair da miséria onde se instalaram e de onde nunca mais sairão... não utilizando os meios lícitos.

Nessa vida sem futuro, sem expectativas, a máfia oferta aos jovens um presente de riquezas e status. Aqueles que se enveredam pelo caminho do crime ganham muito mais do que dinheiro, ganham respeito, temor. Isto, às vezes, tem um valor muito superior que uma montanha de ouro.

Lógico que esses jovens perdidos tem a noção de que esta fama é fugaz e acabará tão rápido como começou, provavelmente, em uma sarjeta, afogado em uma poça do próprio sangue. Contudo, eles não tinham futuro; a máfia ao menos lhes concede um presente.

A narrativa de Saviano impressiona por vários motivos. Primeiro, pelo texto em si, que não somente cospe os detalhes sórdidos da máfia para o leitor, mas descreve, em uma prosa prazerosa, todos os meandros da Camorra.

Em um único momento em que o autor deixa essa narrativa, para apenas informar a grande árvore do crime italiano, o nível do livro cai e a leitura torna-se um pouco cansativa. Mas esse momento é pequeno; o texto volta ao alto nível e o leitor pode novamente “desfrutar” da crueldade da Camorra.

Também é muito interessante todos os instantes em que Saviano demonstra como a cultura pop influencia o modo de agir dos mafiosos. Por exemplo, o termo “padrinho”, consagrado na trilogia “O Poderoso Chefão” não era utilizado pela Camorra, mas devido ao filme passou a ser.

Em certos momentos, essa interferência de Hollywood na máfia chega a ser cômica; como na hipótese em que os filmes de Quentin Tarantino modificaram a forma com que os assassinos, principalmente os jovens, impunham a arma e atiram nos inimigos. Segurando a pistola de uma maneira estilosa, com a arma de lado ao invés de ereta, e fazendo movimentos exagerados com os braços, os assassinos perderam a eficácia. Assim, para matar alguém, era necessário desferir muitos tiros, pois quase sempre erravam o alvo.

No final das contas, o importante não era somente cumprir o objetivo, mas fazer isso de uma maneira com que as pessoas enxergassem o assassino de uma forma diferente, com um respeito maior.

Um último ponto positivo a ser destacado é a disposição narrativa da obra. O autor opta por narrar sua investigação de uma maneira não linear e isso tem um objetivo claro que, para mim, somente se apresentou no final do livro. Tentou Saviano (com total sucesso, na minha opinião), contar a história de degradação da região de Nápoles; uma destruição principalmente moral, ocasionada pelos membros da Camorra. Portanto, o livro se inicia falando do glamour advindo da máfia, a influência desta no comércio da moda e da alta costura, para terminar explicando como age a Camorra no tráfico internacional de lixo e a completa destruição de uma grande região italiana; intoxicada por uma imensidão de lixões ilegais.

É assim o caminho do crime, é assim o caminho da máfia. O explendor de suas conquistas reside apenas na aparência jovem de alguns de seus membros. Mas ela não tarda a mostrar a todos a podridão de sua verdadeira face, bem como a melancolia de toda uma região absorvida por sua ganância destrutiva.

Talvez o Brasil não seja o paraíso na Terra, talvez não sejamos o pior dos povos. Na minha opinião estamos na média, somos como qualquer outro povo, com suas alegrias e tristezas; às vezes usando uma máscara belíssima para esconder as cicatrizes deixadas pela mão impiedosa do crime e da corrupção.

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