Análise – Livro – A Cabana – Willian P. Young

Autor: Willian P. Young
Editora Sextante
239 páginas
R$ 24,90

Por que Deus, sendo onipresente e onisciente, não impede que coisas ruins ocorram com pessoas inocentes? O autor do romance religioso “A Cabana”, William p. Young, tenta responder esta e outras perguntas. Infelizmente ele apenas tenta.

O livro conta a história de Mackenzie Allen Phillips. Um sujeito de meia idade, casado e pai de 05 filhos que vive uma vida rotineira até o dia em que sua filha caçula, Missy, desaparece durante um acampamento. A investigação policial que se seguiria indicou ter sido ela morta por um assassino em série em uma cabana isolada no interior de uma floresta. Após anos de sofrimento pela perda da filha, Mackenzie recebe uma correspondência, aparentemente escrita por Deus, marcando um encontro na cabana onde se supõe ter sido sua filha assassinada.

Antes de tecer comentários mais aprofundados sobre o livro em si, devo ressaltar que este romance de sucesso em diversos países (inclusive no Brasil), possui uma prosa simples e de fácil compreensão; portanto, para aqueles que não buscam uma narrativa mais complexa e rica (em termos teológicos) deverão ficar muito satisfeitos com o resultado final. Contudo, a forma superficial com que assuntos delicados são abordados, podem incomodar diversos leitores.

Vários são os problemas existentes no livro, abordarei alguns deles.

Em primeiro lugar, o autor falha em não desenvolver mais profundamente os personagens componentes da história. O maior exemplo disto é o próprio protagonista. A visão psicológica de Mack (apelido do personagem principal) apresentada durante o prefácio do livro é muito mais profunda da vista durante toda a narrativa.

O Mack do prefácio é uma pessoa que nasceu em uma família rigorosa, tanto no trabalho quanto na religiosidade. Seu pai era um religioso tão fervoroso quanto violento. Antes de fugir de casa devido à agressividade do pai, Mack colocou veneno de rato em todas as garrafas de bebida existentes na casa; sua intenção era matar o pai, que também era alcoólatra. Dotado de uma inteligência privilegiada, possuía uma relação de amor e ódio por Deus; relação dúbia originada, talvez, na infância sofrida.

Essa caracterização é praticamente esquecida durante a narrativa. Em nenhum momento percebe-se com nitidez os efeitos dessa infância atroz no personagem principal, fora nos instantes em que alguma pendência do passado precisa ser resolvida, o que demonstra falta de preparo do escritor, que não soube construir um personagem constante em seus rancores.

Todo o restante da família do protagonista também é tratada com desleixo. O resultado deste trabalho relaxado é a quase completa ausência de empatia entre o leitor e os integrantes da história. Como não houve aprofundamento na relação dos personagens, o leitor não consegue se sentir tocado pela tragédia que assola a família.

Apenas a relação entre Mack e Missy é tratada com um pouco mais de esmero, porém, não o suficiente para transmitir toda a intensidade do sentimento existente entre eles.

Fica a nítida impressão de que faltou mais tempo para o correto desenvolvimento dos personagens. Como foram abordados, acabaram por perder boa parte de sua complexidade, transformando-se em pessoas carentes de tridimensionalidade.

Quando, na segunda parte do livro, Mack encontra Deus na cabana, é a deficiência narrativa do autor que atrapalha de forma determinante o desenrolar da história. Principalmente as reações do protagonista à doutrina explicada por Deus soam sempre artificiais e chegam a incomodar.

Também neste momento o autor deixou de dissertar mais profundamente sobre pontos decisivos para a história. Enquanto são gastas diversas páginas com a doutrina divina passada por Deus a Mack, as questões mais delicadas (como o encontro com a filha, o perdão concedido a Deus e a solução dos conflitos com o próprio pai e com o assassino da filha) são tratadas de forma muito sucinta. Da maneira como foram postas no livro, chega-se a duvidar sobre a importância de tais questões para a vida de Mack ou mesmo a complexidade para sua solução. Se tais questões fossem tão delicadas para o protagonista, com certeza, não seriam resolvidas assim, de uma hora para outra.

Evidentemente, o livro possui seus pontos positivos. O principal deles, sem dúvida, é aquele em que o próprio Jesus inclui a religião na trindade de terrores, juntamente com a política e a economia. Isso porque, segundo o autor, Deus abomina instituições, pois elas tem que funcionar de forma hierarquizada e, consequentemente, deve ser regulamentada. Essa regulamentação e obediência ao sistema faz com que o homem torne-se independente, na medida em que regula o próprio comportamento, afastando-se de Deus, que é pleno na liberdade e rechaça toda a forma de hierarquia.

Infelizmente, momentos como este, que poderiam gerar interessantes (e longas) discussões, são tratados de forma rápida, fazendo a obra perder força e fôlego.

Contando com uma narrativa inconstante, que inicia rebuscada para, pouco depois, passar para uma superficialidade muito grande, este livro pode agradar à pessoas religiosas que desejam ler uma história edificante e simples na forma com que é escrita. Contudo, fica muito aquém para aqueles que almejam aprofundar-se em discussões mais incisivas sobre os desígnios de Deus.

Fica sempre a dica para aqueles que desejam enveredar-se por caminhos mais profundos sobre os planos de Deus para os homens... leiam “A Imitação de Cristo” de Tomás de Kempis; esse sim, um livro indispensável para os que desejam um conhecimento maior sobre a teologia cristã.

Comentários

  1. Taí um livro que tenho vontade de ler.

    Abraço!

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  2. olha eu tenho esse livro e Indico a todos ! e esse livro tem sim erros mais qual livro não teria erros ? ele não é escrito por nós homens ? não somos pecadores? por isso erramos !
    então eu acho que não há oque falar desse livro a não ser outra coisa... MUITO BOM !!!!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. A beleza de qualquer narrativa é a expressão pura de todo e qualquer escritor, cada autor traz elementos subjetivo e coexistem em limitações. A ninguém foi dado o senso de perfeição, ser acabado e pronto. Acredito que as falhas vão existir sempre no contexto geral, em qualquer narrativa, nunca vamos agradar a ninguém, mas o real disso tudo é que, existe na linguagem humana mesmo limitada uma capacidade de comunicar ao inconsciente coisas excelentes. Quando esbarramos nas falhas e erros seja de quem for, deixamos de apreciar o texto e contexto da visão do autor. A nossa visão muitas vezes é fria quando julgamos as demais coisas com elementos nossos de nossa experiência de vida reservada. Tiro o chapéu ao autor por comunicar ao seu público para que veio esta narrativa. Deus em sua essência é universal, amplo e não esbarra na pequenez de nossas limitações nunca. O autor traduz com beleza a figura da mulher que representa Deus, contrariando o senso comum sobre este ser que rege o universo com maestria. Cada nação, tribo e línguas vê Deus a sua maneira, o autor escreveu isto contrariando alguns que vê Deus como um Gandalf.

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    Respostas
    1. Olá, primeiro gostaria de agradecer muito pelo seu comentário! As opiniões divergentes são essenciais para uma boa discussão e aprofundamento de qualquer tema.
      Entendo perfeitamente que erros existem e que cada autor tem sua forma de expressão e seu público alvo. Se mostrei-me um pouco duro ou rigoroso em minha resenha é porque entendi naquele momento que o assunto poderia ser tratado com maior profundidade e esmero.
      Isso atrapalhou a minha conexão com o texto, em absoluto quer dizer que todos terão a mesma experiência. Que bom você poder ter aproveitado o texto.
      Tentei analisar o livro de forma objetiva, narrando a minha experiência e sensações com a narrativa proposta. Pontos positivos existem, mas os negativos superaram. Isso para mim.
      Em todo caso, mais uma vez, agradeço o seu comentários e suas exposições sobre a minha resenha.
      Grande abraço!

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