Análise – Mangá – NAUSICAÄ Vol. 1 – Hayao Miyazaki

Nausicaä do Vale do Vento – Vol. 01
144 páginas
Hayao Miyazaki
Editora Conrad

Nausicaä é considerada obra máxima de Hayao Miyazaki. Frase que ganha contorno especial considerando que seu autor também assinou as animações O Castelo Animado e A Viagem de Chihiro (vencedora do Oscar de melhor animação).

Mas, o que esta história tem de tão especial?

Bem, responder a essa pergunta de maneira minuciosa resultaria em alguns problemas: a) a análise ficaria de um tamanho impraticável; b) provavelmente todos os méritos do mangá não estariam devidamente explicados; c) estragaria o prazer de ler e descobrir as nuances da história. Desta maneira, abordarei apenas alguns pontos, que considero mais relevantes.

Comecemos pela ambientação. A história se passa em um mundo completamente devastado; a civilização, por mil anos, degradou o meio ambiente de tal forma que o tornou estéril, tudo realizado em nome da evolução da humanidade. Os homens utilizavam o avanço irrefreável da sociedade como desculpa para realizar uma destruição sistemática do ecossistema em geral. O plano funcionou, os homens atingiram o ápice, porém, a natureza cobrou seu preço.

Quando a humanidade atingiu seu limite na escala evolutiva, uma guerra sem precedentes provocou a ruína completa das metrópoles do globo e toda a poluição produzida por essa sociedade industrial auxiliou para a queda imediata do reino dos homens.

Com a guerra a sociedade perdeu sua tecnologia e a poluição produzida durante todo um milênio tornou a terra improdutiva. Foi o fim de uma era.

Mas a natureza, dentro de sua perfeita complexidade, sempre encontra uma forma para sobreviver. Assim, no meio de toda a poluição, nasceu uma vasta floresta. Contudo, ao contrário do que se pode imaginar, esse novo ecossistema não é a origem da vida, mas a fonte de destruição e morte de toda a existência atual do planeta. Suas plantas produzem um pólen que é capaz de matar qualquer ser vivo que o inspire (por isso, essa floresta é denominada de Mar Podre). Somente alguns insetos e grandes seres chamados Ohmus sobrevivem neste ambiente.

É fácil notar a beleza da metáfora criada por Hayao neste ponto. Transportar sua visão soturna para os dias atuais é quase automático. O ser humano destruiu o quanto pode a natureza, esquecendo-se da sua força descomunal. Agora a natureza quer de volta tudo o que lhe foi tomado; dia a dia as mudanças no clima e seus efeitos devastadores fazem dos homens reféns em sua própria casa.

Aos poucos, durante a história, a função do Mar Podre é esmiuçada, o que só aumenta a grandiosidade metáfora criada pelo autor.

Quanto aos personagens, comentarei apenas dois na análise deste primeiro volume, o Rei Jihl e sua filha, Princesa Nausicaä.

O Rei Jihl, do Vale do Vento, já nos é mostrado no crepúsculo de seus dias. A proximidade com o Mar Podre debilitou ao extremo sua saúde e, agora, encontra-se preso à cama. Seu semblante cansado e, principalmente, uma cicatriz abaixo de seu olho esquerdo, como se fosse o caminho traçado por uma lágrima, mostram claramente todo o sofrimento enfrentado por aquele governante que, mesmo com todas as dificuldades encontradas naquele mundo inóspito, não pode deixar em momento algum de proteger e zelar pelo bem-estar de todos os seus súditos.

Ele sabe que não lhe resta muito tempo de vida. Assim, seus últimos instantes na Terra são concentrados em fazer de Nausicaä, sua única filha, uma governante forte para toda a população do Vale do Vento.

Em momento algum perde a calma. Com o mesmo semblante sereno é capaz de convidar um amigo (Professor Yupa) a contar histórias a toda população do Vale do Vento e, algum tempo depois, de criticar a atitude de Nausicaä que não exterminou uma pequena tropa do Reino de Torumekia, a qual entrou no Vale sem permissão, ameaçando contaminar a plantação com o veneno do Mar Podre.

É sob a batuta de seu pai que Nausicaä inicia o caminhar para comandar a região do Vale do Vento. É incrível como Miyazaki nos apresenta diversas “Nausicaäs” durante toda a revista; inicialmente uma menina gentil e simpática, ela passa boa parte de seu dia pesquisando e procurando utensílios (que serão usados para fins militares) no Mar Podre.

Porém, ao primeiro sinal de ameaça à segurança de sua população, a princesa converte-se imediatamente em uma exímia guerreira que, sem medo, enfrenta (e vence com facilidade) um treinado membro da guarda pessoal do Imperador de Torumekia.

Durante vários instantes da história, Nausicaä deixa-se abater pelo pesado fardo de ter que se responsabilizar pela segurança de toda a população do Vale, principalmente em uma época tão conturbada e às portas de uma nova guerra. Contudo, mesmo não desejando guerrear, sabe ser o combate inevitável; então, deixa novamente os seus anseios de lado e encara com firmeza os desafios impostos pelo seu destino.

Em um mundo que beira o colapso (tanto ambiental quanto diplomático), Nausicaä é apresentada como uma ilha de lucidez em meio àquela loucura. Amante da vida humana e da natureza, tenta entender como o meio ambiente voltou-se contra a população; ao contrário de quase a totalidade da sociedade, não escolhe o caminho fácil para indicação dos culpados dos problemas ambientais, insistindo, por exemplo, que o Mar Podre não é essencialmente venenoso, mas tornou-se assim pela situação degradante a que foi exposto.

Neste primeiro volume da história, é a humanidade apresentada por Nausicaä ao atender um último pedido de uma princesa moribunda, a qual lhe entrega uma misteriosa pedra, que serve de fio condutor para toda a narrativa. Sua jornada para devolver a pedra ao irmão da falecida princesa e as consequências por não deixar que o Reino de Torumekia se apodere da mesma geram ganchos para o próximo volume deste extraordinário mangá.

Com relação à arte do mangá, Hayao realiza um trabalho estupendo. Não temos grandes quadros com minúcias dos personagens expostas (como é costumeiro em diversos mangás); Hayao opta por quadros menores, com muitos closes, privilegiando a dinâmica da narrativa. Desta forma, é possível distribuir em uma única página diversos momentos de ação, além proporcionar o leitor com uma inundação de informações, aprofundando ainda mais a rica mitologia por ele criada.

Esta é uma história de heroísmo, mas desprovida totalmente de heróis egocêntricos. Os personagens desenvolvidos agem de forma real à situações extremas, portanto, não esperem vê-los em poses ilógicas, ostentando uma estampa heróica irreal. As atitudes tomadas durante a narrativa são realizadas pela índole do personagem e devido às suas crenças, assim, nada soa artificial.

Todas essas considerações tecidas nesta análise não esgotam a riqueza de detalhes contidos no primeiro volume de Nausicaä. Começo a entender porque consideram esta obra o ápice da esplêndida carreira de Hayao Miyazaki.

Comentários

  1. Esse mangá é realmente muito bonito e mexe muito com nossa imaginação, como também nos faz pensar sobre nossas atitudes com relação ao planeta em que vivemos.! parabéns! Foi uma bela análise ao texto de Miyasaki Hayao!

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