Análise – Livro – Discworld: Guardas! Guardas! – Terry Pratchett

Para que servem as sociedades secretas? A resposta é fácil. As sociedades secretas têm como único objetivo concentrar, de preferência violentamente, todo o poder Estatal. Pelo menos esse é o principal objetivo de uma sociedade secreta com sede na poluída, violenta, corrupta e adorável cidade de Ankh-Morpork.

Como toda a sociedade secreta, nesta existem senhas mirabolantes para permitir a entrada somente de seus membros, os quais estão sempre escondidos nas trevas por trajes enormes que lhes cobrem o rosto; os nomes dos integrantes dessa irmandade são inventados para preservar a identidade e os planos para o domínio do poder são muito, mas muito inventivos. Nada desse negócio de príncipe órfão, espadas mágicas, artefatos misteriosos... isso nunca funcionou e nem funcionará.

Evidentemente, contra aqueles que desafiam a ordem e a paz social (como se essas palavras fossem conhecidas em Ankh-Morpork) surgem destemidos (ou quase isso) defensores da Lei e da Justiça. O problema é que esses defensores fazem parte da vigilância de Ankh-Morpork, um trabalho praticamente sem sentido na cidade, principalmente, depois que o patrício “sugeriu democraticamente” a criação de grêmios de ladrões, assassinos, mendigos, etc. Todos poderiam atuar impunemente, desde que atendessem à cota estabelecida pelo governo (e pagassem seus impostos respectivos).

Assim, a vigilância de Ankh-Morpork (agora reduzida a 04 homens para uma cidade de 1.000.000 de habitantes) é completamente desprestigiada. Um serviço menor, realizado por profissionais que também não estão lá muito interessados em melhorar a qualidade do trabalho (mesmo porque isso resultaria em um aumento grande na probabilidade de morte na função, o que não é lá muito bom para quem quer viver até os 150 anos, pelo menos).

Contudo, quando a cidade encontra-se em perigo, o orgulho (e o desejo de viver eternamente) é deixado de lado e esses bravos defensores da Justiça desafiam perigos inimagináveis para impedir que sociedades secretas, um patrício sádico e dragões furiosos destruam completamente a lixeira que eles chamam de lar.

Com certeza, este é um dos melhores livros da série Discworld (o que é uma tarefa complicada, dado o nível altíssimo dos exemplares anteriores), principalmente pela dinâmica da narrativa de Terry Pratchett. É natural que em um livro de mais de 300 páginas, em alguns momentos a narrativa torne-se um pouco arrastada ou contenha fatos menores e descartáveis para a trama; porém, não é o caso aqui. O autor, de forma soberba, consegue manter o ritmo ágil do texto por todo o livro. É mantido, desde o início, uma marcha rápida, sempre tecendo fatos interessantes de uma forma divertida e sem firulas, o que torna o texto agradável de acompanhar.

Parece-me clara a evolução do próprio Terry Pratchett como escritor no decorrer da série. Acredito que a familiaridade com o tema e o mundo criado por ele o deixa mais solto para realizar histórias textualmente mais fluidas.

O fato de Terry Pratchett possuir uma escrita enxuta também contribui para o efeito dinâmico da leitura da Série Discworld. Apesar de o escritor inglês encaixar conceitos científicos e referências à cultura pop mundial durante toda a narrativa, isto é feito de forma sucinta. Não se perde tempo com grandes divagações; elas existem, mas ocupam o espaço preciso para que o autor passe a sua mensagem e siga em frente com a história.

Quanto às piadas, há pouco o que dizer... estão ótimas como sempre. Destaco a referência a uma clássica passagem do filme Dirt Harry (1971), só que sai Clint Eastwood e sua .44 e entra um capitão alcoólatra e um pequeno dragão (!).

Um texto leve e divertido; uma história repleta de conspirações e atos heróicos. Este livro da série Discworld é leitura obrigatória para quem gosta de comédia, intriga, magia, ação e romance. Vida longa a Terry Pratchett!

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